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Análise de Outlast!!!!


  Há algum tempo atrás postamos o trailer de um jogo de uma produtora indie chamada Red Barrels, que prometia ser um grande game, já que a produtora foi co-fundada por ex-funcionários da Ubisoft, lançado esse ano, o game ganhou muitos elogios, e até recebeu nota máxima em muitas análises de grandes sites de jogos, pra quem quiser ver o trailer lançado veja aqui em baixo, e logo depois segue a análise de Outlast.  
        
                                          

  Na pele do jornalista Miles Upshur, a loucura tem início quando este, dirigindo tarde da noite por uma estrada de terra, adentra os domínios da propriedade Mount Massive Asylum. Sem rodeios, o cara encontra-se diante da enorme edificação, munido apenas de sua handcam e melhor amiga, além de toda coragem acumulada, só mesmo encontrada num repórter com sede do furo de sua vida.  
  Ao contrário de muitas obras que se desenrolam em institutos de reabilitação para doentes mentais, Outlast não se passa em décadas passadas, muito menos em uma instituição abandonada e falida. A trama, na verdade, é uma antecipação de eventos, se desenrolando curiosamente no dia 17 de setembro de 2013, de acordo com um e-mail recebido por Miles de um hacker parceiro. Portanto, tudo que está acontecendo ali está acontecendo agora, e isso gera, mesmo que inconscientemente, um desespero diferente daquele que teríamos caso estivéssemos prestes a adentrar um local abandonado.
   O objetivo do repórter é descobrir as reais intenções por trás da corporação internacional Murkoff Psychiatric em reabilitar o local, fechado pelo estado em 1971 por conta de uma série de processos judiciários de parentes de pacientes. Angariando muito capital de fundos de caridade, os engravatados donos da Murkoff certamente estariam nadando em dinheiro, já que tudo que se passa no perímetro que cerca Mount Massive é altamente sigiloso. Miles precisa registrar os horrores que ali tomam forma, pois está certo de suas convicções e de seu “faro jornalístico”.


                                

  A simplicidade na estrutura de Outlast se encontra na maneira como o jogo conta sua trama. Completamente desprovido de cutscenes, a maior parte do pano de fundo histórico se dá por intermédio de documentos encontrados pelos cenários. Além disso, quando do uso de sua câmera digital, Miles faz anotações pessoais pertinentes de tudo que testemunha. Mais interessante ainda é notar como o personagem se deteriora mãos dadas a quantidade gargantual de loucuras que vê. Qualquer sujeito naquela situação quebraria, e você vai acompanhar um jornalista casca grossa, cheio de “fucks” e “assholes”, sendo fatalmente afetado pelo que há dentro das paredes de Mount Massive.  
   Outra coisa: trata-se de um personagem “mudo”, meio Gordon Freeman, meio Jack, do primeiro BioShock. Mas o diferencial: apesar de o sujeito colocar toda sua personalidade em diversas anotações, o real motivo para tal está nas reação de Miles diante todo e qualquer acontecimento que toma forma jogatina adentro. E, acredite, não há nada mais assustador que você não só se sentir na pele daquele personagem que está controlando, mas também ter a real sensação de que seus corações batem em uníssono. Nunca um jogo em primeira pessoa foi tão efetivamente em primeira pessoa.

                                

  Basta olhar para baixo para enxergar tronco, ombros, braços e pernas. Sei que muitos jogos assumiram esta postura, mas há sempre o questionamento do por quê a primeira pessoa? Para quê? Até mesmo meu querido BioShock Infinite se sente como uma câmera flutuante. É o praxe do gênero tão propagado dos shooters. Não há peso e real propósito além de minúcias para controlar melhor a mira ou coisas que o valham.  
   Mas Outlast faz diferente. O movimentar do personagem é mais balançado, seu agachar, mais crível. Você vê suas mãos tateando os arredores, fixando uma quina de parede para espreitar o barulho que veio do corredor. Ou na antecipação de abrir sorrateiramente um porta. Há, inclusive, elementos de plataforma muito bem colocados: você verá Miles se equilibrando em andaimes e tendo que se esgueirar por entre dutos de ventilação. E sempre entram as reações do jornalista, seus gritos, sussurros esbaforidos, coração batendo forte depois de uma corrida frenética terminada num ninho seguro embaixo de uma cama fétida. Este é o tipo de implementação que faltava ao gênero e que sequer nos dávamos conta.      
  Sempre foi de certa forma perfumaria, desde Harry recobrando o fôlego no primeiro Silent Hill, até Daniel exteriorizando sua loucura em Amnesia. Aqui, é parte fundamental na construção de intensidade. Não há nada mais tenebroso que dar de cara com um lunático em meio às trevas e sentir o personagem se assustando tanto quanto você. E isso não só por sua “obediência” em correr desesperadamente como o jogador ordena, mas também pelo espontâneo grito de desespero daquele minuto em especial.

                                  

  O fato de ser sempre possível estar com a handcam em riste torna a perspectiva ainda mais verossímil, já que a moldura do quadro se faz a partir disto, com o REC piscando no canto superior esquerdo, ao lado do marcador do restante de bateria e as demarcações de plano. Aliás, Miles só põe no papel observações quando de uso de sua câmera, como se estivesse mesmo registrando o que vê como evidência criminosa.  
   Outlast é todo alicerçado em construção de momento. Diferentemente de The Last of Us, que cria de forma genuína cenários reais de terror através das ditas “set pieces”, ou trechos delineados que separam calmaria de tensão, Miles nunca encontra descanso em suas dez, doze horas dentro do macinômio infernal. Não há essa “ponte” entre cenas. O terror é iminente, constante e é quase possível cortar a tensão que paira permanentemente no ar com uma faca. É impressionante, e relato um momento que sintetiza tudo isto.  
   “ Um corredor escuro, onde não é possível enxergar um palmo à frente do nariz. A bateria está acabando, a handcam apita, pedindo alimento. Eu sei que esse mísero barulho é o bastante para atrair a atenção de seja lá quem for. Preciso passar por aquele sujeito aparentemente inconsciente sentado em uma cadeira de rodas, para então chegar até a saída, afinal, a saída só pode ser por ali. Agachado, com a câmera firme na mão direita, a assustadora (e salvadora) visão noturna ligada orientando meu trajeto, me esgueiro rente à parede, o mais longe possível da cadeira de rodas e do homem decrépito, desnudo e sujo de fezes que ali está sentado. A música cresce, os violinos, estridentes, se intensificam. O relâmpago ilumina por um segundo o corredor e o bravejar enfurecido do trovão faz gelar a alma. Cheguei até a maçaneta, abri a porta, estou numa nova sala.”  
  Outlast repete o citado acima vezes sem fim. É a experiência mais real que um jogo pode oferecer no quesito “causar medo”. Rotulá-lo como “simulador de pesadelo” me soa tolo e superficial, já que tudo aqui é tão concreto – vida real – que a única forma de vivenciar os horrores de uma clínica para doentes mentais além do que é apresentado em Outlast é, efetivamente, estar em uma. O design se constrói de forma a mesclar um certo convívio entre Miles e os pacientes – é possível, em momentos, caminhar por entre solitárias, testemunhando o mais degenerado estado da condição humana, com pessoas urinando e defecando entre si, se masturbando ou durante auto flagelação – e o insipiente pavor que a mera visão destas pobres formas de vida pode causar. A repulsa, o asco e o medo serão seus maiores companheiros nesta verdadeira empreitada ao círculo mais vil do inferno.

                             

  Não há monstruosidades em Mount Massive. Por mais grotesco que alguns pacientes possam parecer, são meros resultados de experimentações ou efeitos colaterais de medicações que deram errado. Conforme a história progride, alguns doentes se tornam especialmente problemáticos. Como é o caso de Chris Walker, um ex-soldado que veio a se tornar obeso mórbido enquanto de seu tratamento. Walker se torna o Nemesis de Miles, o perseguindo por diversos momentos. Seus pesados passos poder entregam sua posição, mas é praticamente impossível fugir de sua fúria, caso seja visto. Apesar do sistema de regeneração de energia existir (e de checkpoints um tanto quanto generosos), é muito difícil sobreviver quando do confronto direto com pacientes. Como não há combate, nada é mais valioso que um bom esconderijo.  
  Miles não passa de um repórter. Desprovê-lo de qualquer função inerente ao combate foi mais uma decisão de design bem acertada. Aos poucos, e quase sem tutoriais, você descobre a real dinâmica de embate de Outlast: você não está com uma lanterna em mãos, logo, você vê os inimigos no escuro através da visão noturna na câmera, mas eles não o veem. É dos momentos mais assustadores dar de cara, ao abrir uma porta ou dobrar um corredor, com um sujeito esquálido, portando nada mais que um machete, com o rosto mutilado e com diversos cortes por todo seu corpo. Ele só está ali, parado, em um estado de demência profunda, talvez atento a algum barulho a distância, talvez em outro plano. A inteligência artificial é completamente aleatória nesse sentido, o que faz tudo ser ainda mais imprevisível e assustador.  
  Já que não existe inventário ou nada do tipo, a pilhagem se dará só e exclusivamente por baterias para a câmera, consumidas impiedosamente quando do uso da visão noturna. Encontrar-se no breu total e sem baterias gera um desespero não só em você, mas também em Miles, que se vê tateando seus arredores a esmo, num desespero crescente. Portanto, o gerenciamento da quantidade de baterias é fator primordial em Outlast – e é até legal onde as mesmas se encontram, quase sempre em locais que fazem sentido, como em cadáveres de policiais.
   É impressionante o que Outlast cria com o uso das trevas profundas. Certa vez, me escondi de um maníaco que gritava por minha vida em um banheiro e, ao controlar meus batimentos cardíacos e, só com os ouvidos, perceber que o sujeito não estava mais por ali, resolvi abrir a porta. Péssima decisão. O rapaz estava a alguns palmos de mim, parado, estático, esperando o momento para me golpear. Larguei o controle, fui fazer um café. Não aguentava mais a tensão nos ombros, já com o pescoço rijo, dolorido. Outlast é o mais próximo que a ficção vai chegar de causar o efeito de eletrochoque ou de espancamento. Não que eu já tenha vivenciado um ou outro, mas cada sádico com sua sentença...

                                 

   Felizmente, há muitos lugares para se esconder no manicômio Mount Massive. Seja em armários, embaixo de camas ou macas, por entre vãos ou buracos de paredes destruídas, ou simplesmente de cócoras num canto escuro. Não há como seguir em frente sem utilizar ao máximo das habilidades sorrateiras de Miles. Como não há evolução, ganho de pontos ou novos itens, todo aprendizado adquirido se dá com o tempo, assimilado pelo próprio jogador. E não me refiro somente às capacidades do personagem, mas também ao mapeamento do local, já que você só poderá contar com a própria memória para decorar caminhos em meio à escuridão. Outlast é o que mais próximo o meio chegou dos ditos mockumentaries do cinema, a citar A Bruxa de Blair e, em especial, REC.  
  Outlast é surpreendentemente eficaz naquilo que se propõe a entregar em primeira importância: causar desconforto. É – impossível – ser apático ao mundo criado pelos experientes programadores da Red Barrels. Sustos, gritos, dores nos ombros e pescoço, mãos trêmulas e músculos enrijecidos são inerentes à experiência, já que o medidor de satisfação em um jogo de terror se dá pela quantidade de vezes que você precisa de uma pausa dada a dose de tensão. Nem BioShock Infinite, nem The Last of Us, Outlast é meu jogo do ano e não preciso experimentar Beyond para chegar a tal conclusão. E caso se sinta um viúvo da época áurea do gênero, você há de convir comigo: Outlast é o jogo mais assustador já concebido.

Fonte:PlayTv Games